26 de mar. de 2007

As cascas, os caroços e os sucos da vida

Hoje lembrei Carlos Drummond de Andrade. "Havia uma pedra no meio do caminho". Lembrei meu pai. "Uma cidade pequena é uma laranja suculenta com miolo de pedra e uma cidade grande é uma laranja com casca de pedra e miolo suculento". Lembrei de mim mesmo. Não gosto de pedra no meio do caminho. Mudei. Depois de 13 anos em Florianópolis, estou de volta a Porto Alegre. O mar virou rio, o pão de trigo é de novo cassetinho, o ladrão aqui é bandido, o trânsito é EPTC e o peixe agora é churrasco. Não bastassem as diferenças, troquei o caroço pela casca de pedra e sigo sem o suco essencial da fruta, da vida. Mas pedra por pedra, mudei pra melhor.
Entre a Ilha de Santa Catarina e o Paralelo 30 não são somente os
quilômetros de distância, digo a separação. Existe uma imensidão de diferenças e tomo elas como aliadas do meu enriquecimento espiritual. Comecei a descascar esta Porto Alegre que se pôs ainda mais imponente. Logo senti a muralha rochosa rachar e as entranhas da cidade se abrirem para mim. Estou de volta onde nasci, mais forte e diante de um desafio bem maior.
Meu caminho é onde minha curiosidade - a raiz da inspiração - me leva, sejam em lágrimas, em sopros, em palavras, desenhos ou em pensamentos. Não lembro a primeira vez que passei a registrar minhas memórias, mas sempre foram inquietações, mesmo criança. Jamais fugi das fortes emoções. São elas as fontes das mais lindas canções, histórias e acontecimentos. Embora as cascas e os caroços que azedam este suco e as pedras que estragam a fruta, virei a esquina. Pisei no paralelepípedo e ouvi Mário
Quintana: "Minha vida está nos meus poemas, meus poemas são eu mesmo, nunca escrevi uma vírgula que não fosse uma confissão." E confesso: sinto sede de viver.